O serviço público tem crescido como alternativa para aqueles que
ainda não sabem o que pretendem estudar na faculdade e procuram
liberdade financeira.
Se vencer o ensino médio já é uma tarefa difícil, imagine
decidir o que você fará depois dele.
Apostilas pré-vestibular à
parte, cresce o número de pessoas que acreditam que a melhor opção
é estudar para concursos públicos antes mesmo de pensar em
faculdade. Este é o caso de Yasmin Souza, de 17 anos.
Atualmente, a
jovem cursa o terceiro ano do ensino médio, mas já tem em mente com
nitidez os planos para os próximos anos. “Quero uma base
financeira para poder ser independente e viajar muito. Quando tiver
uns 23 anos penso em faculdade”, conta.
Apesar de ainda frequentar a escola, Yasmin separou quatro horas
diárias de estudo para o concurso da Secretaria de Saúde do
Distrito Federal (SES/DF), realizado nesse fim de semana. Nem mesmo
os sábados e domingos escaparam da dedicação da jovem. “Meu
padrasto me ajudou. Minha mãe também estudou comigo para o mesmo
concurso. Minhas amigas me apoiam, mas preferem fazer faculdade
antes”, relata. Assim como milhões de candidatos que sonham com
uma vaga no funcionalismo, Yasmin acredita que o serviço público
garantirá estabilidade e liberdade financeira, dois desejos que são
prioridades para ela.
Nos cursinhos preparatórios para concurso de Brasília, os
números comprovam que a demanda por certames de nível médio é
alta. O Grancursos, atualmente, conta com 52.145 alunos inscritos na
unidade sede. Destes, 35 mil (ou 67%) têm nível médio e 17.145
nível superior. Já na Vestcon, são 69 turmas de nível médio, 33
de nível superior e 51 que servem para os dois níveis.
Para a orientadora e coordenadora pedagógica do colégio Sigma,
Tatiana Coutinho, escolher concursos em vez de faculdade é uma
mentalidade típica brasiliense. “Brasília é uma cidade de alto
índice de funcionários públicos. Muitos meninos têm pais
servidores e crescem com a ideia de que isso proporciona um ambiente
de segurança e estrutura financeira. O aluno se interessa por essa
realidade ainda dentro de casa”, explica.
Ela lembra que muitos dos jovens que precisam tomar uma decisão
após o ensino médio estão na faixa dos 16 e 17 anos, período de
muitas incertezas. “Eles estão em um momento confuso, não sabem
exatamente o que querem e usam o modelo de carreira dos pais como
algo a ser seguido, até para ganhar tempo”, completa.
A coordenadora destaca, porém, que existem pontos
positivos e negativos que devem ser analisados diante
da preferência dos alunos pelo universo dos concursos. “O lado
negativo é que esse aluno de certa forma pula etapas. Ao entrar na
faculdade, ele consegue dar continuidade aos estudos e aos poucos,
por meio de estágios e atividades práticas, entram no mercado de
trabalho. São doses homeopáticas da nova realidade, não uma quebra
abrupta”, opina.
Por outro lado, Coutinho ressalta que o aluno que acaba de sair do
ensino médio possui os conteúdos mais frescos na memória. “Uma
escola com boa formação vai preparar o jovem para fazer uma
excelente prova de português e raciocínio lógico, por exemplo”,
diz. Quanto às disciplinas específicas que não são abordados no
currículo escolar, como direito administrativo e constitucional, ela
adianta que não há porque ter preocupação. “Em curto prazo
esses alunos podem lograr êxito maior que um adulto, inclusive, já
que é normal ter uma média de 6h de estudo por dia. Não há
mudança drástica na rotina, apenas de conteúdo, e eles absorvem
tudo com rapidez”, salienta.
Para os pais que se preocupam com o rendimento dos filhos – que
aliam estudos da escola com os de concursos -, Coutinho tranquiliza.
“Muitos dos alunos se dividem entre o estudo da escola e uma
atividade do interesse deles, como estudar outra língua. A maioria
ainda faz cursinho pré-vestibular. Se esse não é o foco do aluno,
então ele o trocará por um cursinho para concursos, por exemplo”,
aponta. “É incrível como eles lidam com várias atividades ao
mesmo tempo. São perfeitamente capazes de estudar para concursos”,
afirma. No entanto, segundo a coordenadora, o exagero na dedicação
é que deve ser evitado, seja por jovens ou adultos.
Para Arthur Pomnitz, de 23 anos, a escolha pelo concurso público
veio alguns meses após a graduação no ensino médio. Assim que se
formou, ele foi morar em São Paulo, onde trabalhou como modelo. Ao
voltar para Brasília, percebeu que estava perdido sobre a área que
gostaria de estudar na faculdade e resolveu se dedicar aos concursos.
“Queria meu dinheiro e gostava da carreira pública. Um concurso de
nível médio me daria tempo para pensar na faculdade e, ao mesmo
tempo, me sustentar financeiramente”, lembra.
Atualmente, Arthur é servidor no Ministério da Fazenda e pensa
em cursar faculdade e, até mesmo, abrir uma empresa com o pai.
“Estou amadurecendo, é muita responsabilidade escolher o que quero
para o resto da minha vida. Onde estou agora me agrada e me oferece
estabilidade financeira e tempo para escolher o que eu realmente
quero fazer”, pondera.
No caso de Amadeu Medina, de 24 anos, a história é diferente.
Sua primeira escolha foi a Universidade de Brasília, mais
especificamente o curso de engenharia da computação. Porém, cinco
semestres depois da aprovação no vestibular, ele começou a se
sentir infeliz com a vida acadêmica e decidiu largar tudo para se
dedicar à possibilidade de ingressar no serviço público. “Eu me
cobrava: estou com 21 anos, não estou feliz na faculdade e não
tenho emprego”, relembra.
Após estudar por dois meses e meio, o esforço valeu a pena e ele
foi aprovado no concurso da Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), onde ainda trabalha. Mais feliz e estimulado,
Amadeu voltou à faculdade e, atualmente, cursa engenharia civil. “Eu
devia ter feito concurso assim que saí do ensino médio, porque não
sabia o que queria de verdade”, lamenta.
Entre as diversas responsabilidades e decisões que devem ser
tomadas com o fim do ensino médio, Coutinho ressalta: “Acho que
não existe resposta pronta. O aluno tem que fazer algo que gosta”,
alerta. Independentemente da escolha, a coordenadora aconselha que
todos busquem refletir e aproveitar cada experiência.
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