Uma droga vem ganhando adeptos entre os concurseiros.
Lançado em meados da década de 1950 para o tratamento de crianças com
quadros de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, o
metilfenidato, princípio ativo do medicamento mais conhecido
comercialmente como “Ritalina” (veja bula completa), passou a ser popular também entre adultos, grupo cada vez mais diagnosticado com o distúrbio antes tido como infantil.
No entanto, o medicamento tem sido usado sem indicação
médica, para, entre outras finalidades, a suposta melhoria da
concentração durante os estudos, inclusive de concursos públicos. Em
função disso, a droga entrou para o rol da ilegalidade, e é vendida
livremente sem prescrição médica em salas de bate-papo na internet.
O
metilfenidato potencializa a ação dos neurotransmissores noradrenalina e
dopamina, reduzindo o que é clinicamente chamado de déficit de atenção,
o DAH. Isso faz com que o indivíduo hiperativo fique mais atento,
concentrado. Essa ação da Ritalina junto aos hiperativos leva muitos
concurseiros a usarem o medicamento em busca de resultados semelhantes.
No enteanto, é falsa a impressão de que a droga aumenta a capacidade de
acumular mais informações em menos tempo. Se funcionasse de fato, o
candidato teria uma vantagem considerável em relação aos demais.
Efeitos colaterais
A
psiquiatra Andiara de Saloma comenta que é um equívoco o uso
indiscriminado do metilfenidato por pessoas que não têm os problemas
para os quais ele é indicado, pois a droga não aumenta a capacidade de
armazenamento de informações. “O cérebro tem limites e quando alguém
está estudando, essa pessoa precisa do tempo adequado de descanso e sono
para que possa armazenar as informações assimiladas. A ideia de que as drogas podem aumentar a capacidade de armazenamento é um grande erro”, esclarece.
Além
disso, o uso excessivo da Ritalina pode trazer sérias consequências
para a saúde. A utilização sem necessidade pode causar efeitos
colaterais como taquicardia, dores no peito e até perda de libido.
Risco de dependência
Andiara
alerta ainda que o medicamento utilizado pelos concurseiros é de
liberação imediata das substâncias e, por isso, há risco de dependência.
“Após algum tempo de uso, o indivíduo precisará de doses maiores para
obter o efeito desejado”.
Ela salienta que
o metilfenidato é um estimulante indicado para pacientes cujos quadros
clínicos apontam, grosso modo, a carência de dopamina e noradrenalina
no cérebro. “Quando o indivíduo não sofre da falta desses
neurotransmissores, o uso do medicamento tem uma maior chance de causar um
aumento excessivo da disponibilidade dessas substâncias. O cérebro, por
sua vez, criará estratégias de defesa para regular a sua quantidade, o
que pode resultar em dependência”.
O
risco pode levar a um efeito contrário. Ao invés de proveitoso, o uso
dos comprimidos se transforma em um transtorno. De acordo com a
psiquiatra, em casos extremos, os dependentes experimentam quadros
severos como a falta de iniciativa para as tarefas mais corriqueiras do
cotidiano, como os cuidados pessoais e a própria higiene, além de
perderem o prazer e a motivação para realizar qualquer atividade.
“Existe tratamento para esse quadro, porém, é uma difícil jornada, como
em qualquer dependência química”, comenta.
Segue
abaixo uma matéria publicada do Jornal Estado de São Paulo que
apresenta um estudo da Unifesp demonstrando que a Ritalina não aumenta a
memória de longo prazo ou a inteligência. Vejamos:
A
Ritalina não promove melhora cognitiva em pessoas saudáveis. Indicada
para transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), ela tem
sido usada por estudantes que
buscam melhor desempenho em provas e concursos. Apesar da fama que lhe
rendeu o apelido de “pílula da inteligência” ou “droga dos
concurseiros”–, uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) mostra que o medicamento não beneficia a atenção, a memória e
as funções executivas (capacidade de planejar e executar tarefas) em
jovens sem o transtorno.
A psicóloga
Silmara Batistela, autora do estudo, decidiu investigar o tema ao
perceber a popularização da prática de doping mental. “É muito comum
ouvir o relato de pessoas que, para passar a noite estudando antes da
prova, tomam Ritalina”, diz. O objetivo da pesquisadora era avaliar se o
consumo do medicamento, cujo princípio ativo é o cloridrato de
metilfenidato, realmente trazia vantagens cognitivas.
Ritalina
O que é – Nome comercial mais conhecido do metilfenidato, que é da família das anfetaminas.
Uso – É prescrita para crianças acima de 6 anos e adultos portadores de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
Efeitos – Age no sistema nervoso central, potencializando a ação dos neurotransmissores da noradrenalina e da dopamina, ampliando a concentração.
Efeitos colaterais – Pode causar dificuldade para dormir, alterações no humor, dor de cabeça e até mesmo perda de libido. (Fonte: Anvisa)
Para
a pesquisa, foram selecionados 36 jovens saudáveis de 18 a 30 anos.
Eles foram divididos aleatoriamente em quatro grupos: um deles tomou
placebo e os outros três receberam uma dose única de 10mg, 20mg ou 40mg
da medicação. Depois de tomarem a pílula, os participantes foram
submetidos a uma série de testes que avaliaram atenção, memória
operacional e de longo prazo e funções executivas. O desempenho foi
semelhante nos quatro grupos, o que demonstrou a ineficácia da Ritalina
em “turbinar” cérebros saudáveis.
“O uso
não alterou a função cognitiva. A única diferença que observamos foi que
os que tomaram a dose maior, de 40 mg, relataram uma sensação subjetiva
de bem-estar maior em comparação aos demais”, diz Silmara.
Perigos
O
psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, diretor do Programa de Orientação
e Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp, observa que o mito de
que a Ritalina teria o potencial de tornar alguém mais inteligente não
faz sentido. “A pessoa fala que consegue estudar a noite inteira com o
remédio. Isso é porque ela fica acordada e não porque tem uma melhora na
atenção”, diz. Ele observa que o aprendizado sob o efeito da droga
consumida inadequadamente é de má qualidade.
Silveira
destaca que existem perigos relacionados ao uso inadequado do
medicamento. O consumo aumenta os riscos de problemas do coração e pode
levar a um quadro de arritmia cardíaca. O especialista acrescenta que,
tratando-se de uma anfetamina, a droga apresenta também um potencial de
abuso, razão pela qual é controlada e só pode ser comprada com receita
especial.
A alternativa para os que
resolvem usar a Ritalina sem ter indicação é recorrer ao mercado negro.
Estudantes relatam que não é difícil encontrar fornecedores anunciando o
produto em fóruns de discussão na internet.
Um
estudante de Economia de 22 anos, que preferiu não se identificar,
conta que soube dos efeitos da Ritalina por um amigo. “Ouvi falar de uma
droga que todos universitários estavam usando na Europa e nos Estados
Unidos para aumentar a concentração. Li sobre seus efeitos colaterais,
para o que servia e, como sempre me achei um pouco hiperativo, resolvi
experimentar.” As duas primeiras caixas foram compradas de um conhecido.
Depois, encontrou um fornecedor na internet que atende aos pedidos dele
e de seus amigos. “A gente pede de uma vez só várias caixas.” Para o
universitário, que toma o remédio para estudar aos fins de semana ou à
noite, quando pretende varar a madrugada entre os livros, a principal
vantagem é tirar o sono. “O ganho está nas horas a mais que estudo na
madrugada.”
Segundo ele, também há um aumento na concentração e na atenção.
“Não fiquei mais inteligente, mas meu tempo de dedicação aos estudos
aumentou”, relata. Ele, que foi um dos primeiros entre seus amigos a
usar o recurso, conta que hoje conhece cerca de 15 pessoas que aderiram.
Um de seus amigos, também estudante de Economia, conta que aderiu à
pílula por ter dificuldade de ler textos longos. “Eu começo a me
dispersar no meio deles. Como trabalho o dia inteiro, acaba me faltando
tempo para conseguir ler volumes grandes.” Para ele, a Ritalina o ajuda a
ler bastante sem se dispersar.
Encenação
Outra
estratégia que tem sido adotada para obter o remédio é simular os
sintomas do TDAH na esperança de ganhar uma receita. O neuropediatra
Paulo Alves Junqueira, membro da Academia Brasileira de Neurologia
(Abneuro), conta que tem existido essa demanda, principalmente entre os
concurseiros. “O médico precisa ter a habilidade de identificar esses
casos: o TDAH não vem de uma hora para outra. É um transtorno
incapacitante que acompanha o paciente ao longo da vida.”
Segundo
levantamento feito pelo Sindicato da Indústria de Produtos
Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma) a pedido do Estado,
houve um crescimento de quase 50% na venda de remédios à base de
cloridrato de metilfenidato no Brasil entre 2008 e 2012. Entre setembro
de 2007 e outubro de 2008 foram vendidas 1.238.064 caixas, enquanto
entre setembro de 2011 e outubro de 2012 as vendas cresceram para
1.853.930 caixas. Nesse intervalo, os valores gastos com a medicação
passaram de R$ 37.838.247 para R$ 90.719.793.
Remédio é popular entre os que prestam concursos.
Um
dos grupos em que o uso irregular de Ritalina é mais popular é o dos
“concurseiros”: aqueles que se preparam para conseguir uma aprovação nos
concorridos concursos públicos. O juiz do Trabalho Rogerio Neiva, que
dá aula em curso preparatório e pesquisa sobre neurociência da educação,
conta que percebe entre seus alunos “a ideia de que, tomando a
Ritalina, vão ter a fórmula mágica do sucesso intelectual e cognitivo”.
Para
ele, a grande atração dos estudantes pela droga vem da esperança de que
ela acelere o processo de aprendizado. “Os ‘concurseiros’ estão atrás
da facilidade, da dica, do esquema. É fácil, portanto, cair em qualquer
discurso que se aproxime da ‘pílula do sucesso’”, diz.
No
caso de uma “concurseira” de 30 anos, que preferiu não ser
identificada, o uso inadequado da Ritalina veio por sugestão de um
médico. Ela fazia um tratamento psiquiátrico para distúrbio de humor e
sempre reclamava de sua falta de concentração e dificuldade de reter o
conteúdo estudado. “Quando você estuda há algum tempo e os resultados
positivos não vêm, você fica buscando justificativas.” Seu médico fez,
então, algumas perguntas para identificar possíveis sinais de TDAH. Como
ela respondeu positivamente a alguns desses sinais, o profissional
sugeriu o uso de Ritalina como teste, para ver se ela teria resultado
positivo. “Hoje, vejo que foi um teste irresponsável das duas partes:
ele, como médico, e eu, como adulta e consciente.”
A
estudante diz que logo começaram a surgir os efeitos negativos. Com a
droga, ela conseguia estudar por várias horas, mas se esquecia de tomar
água e se alimentar. “A concentração realmente aumenta, mas é falha,
porque ficar sentada nem sempre quer dizer que você está aprendendo.”
Depois de alguns meses de uso, começou a sentir dores de estômago,
prisão de ventre e tremedeira nas mãos.
Em
uma ocasião, viajou para fazer uma prova e esqueceu o remédio no hotel.
Antes do início do exame, o nervosismo era tanto por saber que teria de
fazer a prova sem a droga, que ela roeu todas as unhas. “Desde esse
dia, comecei a avaliar se estava vidrada no medicamento, se tinha
viciado.”
Quando suspendeu o uso, passou
meses sem estudar direito. “Acho que piorei em concentração: é como se
eu tivesse ficado sozinha, sem o remédio que me garantia sucesso. Daí
veio o choro e a revolta.” Hoje, ela conseguiu uma aprovação, que
credita aos cinco anos de estudo, e não à droga.
Neiva
observa que a atração pela Ritalina também pode decorrer do fato de que
a vida do “concurseiro” não é fácil. “A preparação é um processo
intelectualmente desgastante. É uma fase difícil e é natural que as
pessoas tentem buscar recursos para minimizar desgastes”, diz.
Substância é eficaz contra déficit de atenção.
No
caso de pessoas efetivamente diagnosticadas com TDAH, a Ritalina
promove o aumento dos níveis de dopamina no cérebro. Trata-se de um
neurotransmissor que aumenta o estado de alerta e melhora a cognição,
por isso geralmente promove uma melhora nos estudos.
O
neuropediatra Paulo Alves Junqueira, membro da Academia Brasileira de
Neurologia (Abneuro), afirma que a droga não aumenta a inteligência nem
fornece habilidades que a pessoa não tinha anteriormente, “mas deixa o
paciente pronto para trabalhar em dobro porque tira a fadiga e
estabelece um esforço para que consiga se manter em determinadas
tarefas”.
O diagnóstico é clínico. “É
necessário fazer uma entrevista artesanal, longa, com várias questões.
Tem de saber das trajetórias do paciente e o quanto tem de prejuízo nos
relacionamentos, no trabalho e na autoestima”, diz. Constatado o
transtorno, é preciso inquirir o histórico cardiovascular do paciente.
Os que já tiveram problemas no coração não devem usar a droga.
“Para
quem precisa, o remédio muda a história de vida do indivíduo. Ouço
relatos de portadores que, depois de serem diagnosticados, mudaram de
vida, entraram na faculdade e tiveram várias realizações. Isso é
gratificante”, diz Junqueira.
Para o
psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, a fama da Ritalina de tornar as
pessoas mais inteligentes vem do fato de que portadores de TDAH são
frequentemente rotulados de preguiçosos antes do diagnóstico. “Depois de
medicados, o rendimento escolar passa a ser muito bom. Por isso os pais
brincam que é a ‘pílula da inteligência’. Tenho um paciente que diz que
ficou ‘nerd’ depois da Ritalina.”
Fonte: O Estado de SP
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